terça-feira, 15 de abril de 2008

Sobre o desconhecimento

A ignorância (qualidade [ou seria defeito?] daqueles que ignoram) é a origem do preconceito.

Dia destes estava a ouvir o Samba da Benção (do imortal Vinicius de Morais) no rádio do carro com minha esposinha ao lado... Quando começaram a cantar "saravá" minha querida esposinha arrepiou-se com o preconceito dizendo da "mistura" que faziam. Para ela a palavra "saravá" só era usada por pessoas ligadas à umbanda.

Foi então que eu tive que lhe explicar que a palavra "saravá" nada mais é que uma saudação. Assim como "shallon", "salve" e o desusado "ave", com que o anjo saudou a Maria...

Pois então! Fazer o que além de tentar explicar? Aliás eu já tinha explicado que em Portugal (minha esposinha é filha de uma portuguesa de Trás-Os-Montes, portanto tem a nacionalidade portuguesa) não se usa a palavra "bunda", mas sim "cú"... Ao que ela disse: - "Que horror!"...
Pois a palavra bunda veio direto de Angola para o Brasil, sem passar por Portugal. Vejam o que achei no blog em http://cuidadocomalingua.blogs.sapo.pt/10701.html:

"Bunda, aportuguesamento do quimbundo mbunda, significa no original como na nossa linguagem corrente «traseiro». Vários dicionários de português o referem.
No dicionário da Academia das Ciências de Lisboa vem: «s.f. (Do quimbundo mbunda, "nádegas"). Nádegas = cu (Pop), rabo, traseiro.» Já o dicionário Houaiss regista: «Região glútea; as nádegas (...) A palavra está registada no "Novo Dicionário da Língua Portuguesa" (1836), de Constâncio, como um angolismo (...). Etimologicamente vem do quimbundo "mbunda", quadris, nádegas.»

E em http://oldblogs.sapo.pt/comentar?entry_id=78814 achei isto, muito bom também:
"há que se traduzir para todo o público brasileiro que 'cu' corresponde ao nosso vocábulo "bunda". Cito de novo o Mário Prata do "Schifaizfavoire": "Aqui, a explicação se complica. Porque, se cu é palavrão para nós (brasileiros), para eles (portugueses) nada mais é que a nossa já familiar bunda. Fala-se cu na televisão portuguesa como se fala bunda na brasileira."

Vejam só! Indo mais longe, tem gente aqui no Brasil que acha que até "bunda" é nome feio... Assim como acham que o que está na lata de lixo é lixo... Mas queria ver se uma destas pessoas encontrasse um lingote de ouro lá na lata...!

Aí vai o "Samba da Benção", para nos alegrar!

É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração
Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
É preciso um bocado de tristeza
Senão, não se faz um samba não

(Senão é como amar uma mulher só linda
E daí? Uma mulher tem que ter
Qualquer coisa além de beleza
Qualquer coisa de triste
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado
Uma beleza que vem da tristeza
De se saber mulher
Feita apenas para amar
Para sofrer pelo seu amor
E pra ser só perdão)

Fazer samba não é contar piada
E quem faz samba assim não é de nada
O bom samba é uma forma de oração
Porque o samba é a tristeza que balança
E a tristeza tem sempre uma esperança
A tristeza tem sempre uma esperança
De um dia não ser mais triste não

(Feito essa gente
que anda por aí brincando com a vida
Cuidado, companheiro
A vida é pra valer
Não se engane, não
É uma só
Duas mesmo que é bom
Ninguém vai me dizer que tem se provar
muito bem provado com certidão passada em cartório do Céu assinado em baixo: Deus!
E com firma reconhecida
A vida não é de brincadeira, amigo
A vida é arte do encontro
embora haja tanto desencontro pela vida
Há sempre uma mulher a sua espera
com os olhos cheios de carinho
e as mãos cheias de perdão
Ponha um pouco de amor na sua vida,
como no seu samba)

Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não
Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração

(Eu, por exemplo, o capitão do mato
Vinicius de Moraes
Poeta e diplomata
O branco mais preto do Brasil
Na linha direta de Xangô, saravá!
A bênção, Senhora
A maior ialorixá da Bahia
Terra de Caymmi e João Gilberto

A bênção, Pixinguinha
Tu que choraste na flauta
Todas as minhas mágoas de amor
A bênção, Sinhô, A bênção Cartola,
A bênção, Ismael Silva
Sua bênção, Heitor dos Prazeres
A bênção, Nelson Cavaquinho
A bênção, Geraldo Pereira
A bênção, meu bom Cyro Monteiro
Você, sobrinho de Nonô

A bênção, Noel, sua bênção, Ary
A bênção, todos os grandes
Sambistas do meu Brasil
Branco, preto, mulato
Lindo como a pele macia de Oxum
A bênção, maestro Antonio Carlos Jobim
Parceiro e amigo querido
Que já viajaste tantas canções comigo
E ainda há tantas a viajar

A bênção, Carlinhos Lyra
Parceirinho cem por cento
Você que une a ação ao sentimento
E ao pensamento, a bênção
A bênção, a bênção, Baden Powell
Amigo novo, parceiro novo
Que fizeste este samba comigo
A bênção, amigo
A bênção, maestro Moacir Santos
Não és um só, és tantos como
O meu Brasil de todos os santos
Inclusive meu São Sebastião
Saravá!
A bênção, que eu vou partir
Eu vou ter que dizer adeus)


Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não
Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia



Ele é negro demais no coração

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Que direção seguir?

Deixar-me continuar envolvido pela "teia de renda / que me cercou"?

Não! Sigo meu próprio caminho! Apenas distribuo convites. Quem quiser vir comigo, venha! Quem não quiser, não me atrapalhe!

Que apenas Deus me guie! Embora saiba que por vezes erro. Por isso acho que pode até realmente ser como no "Cântico Negro" de José Régio:

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

:-(